Em pé, encostada na parede, os outros estavam deitados no chão, ou melhor, quem estava deitada era eu e os outros em pé, encostados na parede. Espera aí, vou organizar este pensamento. Uma lembrança dos anos 80, que me veio agora. Vamos lá.
Às vezes me bate uma vontade de remexer nas histórias, como se eu
estivesse misturando os ingredientes secos de um bolo com as mãos e
desta maneira as imagens que estão esquecidas vêm à tona e as que
estavam por aqui, na beira do raciocínio, desaparecem. Mistura,
mistura, as imagens unem-se às palavras e formam uma narrativa. Uma
narrativa mixada com a vida de agora.
Estava muito frio e vestíamos tocas, suéteres, meias até o
joelho, calças jeans, de moletom ou de lã. Nossa! Bastante frio
fazia em Visconde de Mauá. Uns oito amigos juntos na casinha, no
Vale do Pavão. Histórias sendo contadas, risos, brincadeiras e tudo
o mais que você possa imaginar… Vida, alegria, juventude!
Cobertores, mantas, colchonetes. No chão, estávamos recostados. Eu
estava em pé, eles, deitados; não, eu deitada… ah! Não lembro
...
Faltava cigarro – fumávamos todos, isto é, todos fumávamos –
Uma impaciência e uma procura pelo tal do cigarro. Ninguém tinha
mais. Acabara. Saíram para procurar cigarros, além de ver se
qualquer cidadão que passasse pela estradinha que levava à
cachoeira – o que seria difícil - poderia nos ceder algum.
Fiquei dentro de casa, na sala. Deitada e com muito frio. Passaram
uns minutos e...
- toc, toc, toc. Escutei bater na porta.
- hum, entra aí, não vou levantar, está muito frio. Eu disse.
- toc, toc, toc, hi, hi, hi. Umas risadinhas do lado de fora, eu
ouvi.
- aí, quem é? Perguntei.
- hi, hi, hi. Mais umas risadinhas e um silêncio…
A lua toda brilhava nas matas, estava em seu auge, bem no meio do
céu. Uma bola linda amarela iluminava o terreno onde ficava a
casinha e iluminava a estrada também. Tudo claro e mágico.
Levantei, abri a porta, olhei e vi, correndo para a mata, uns
personagenzinhos de gorro colorido e baixinhos. Sumiram. Incrível
como desapareceram tão rápido…
Uau! Fiquei pensando quem eram aqueles seres tão bonitinhos e tão
ligeiros. Lembrei das travessuras contadas em histórias de
encantamentos para crianças.
A lua e a rua estavam lindas. Um brilho retocava alguns arbustos. A
noite criava um ar misterioso na mata.
Esperei mais um cadinho e nada daqueles personagens. Fiquei um pouco
na varanda, onde havia uma gostosa rede. Olhei para a porta e - qual
não foi minha surpresa? - uma porção de cigarros estava no chão
pertinho da entrada.
- Ué! Quem deixou isso ali? Falei sozinha.
Fui lá e peguei os cigarros. Uns dez, devia ter. Pulei de alegria,
só que não entendi nada, nada mesmo. Entrei e fiz fumaça, né?
Guardei para os outros que já demoravam. Eles foram retornando aos
poucos. E quando
todos já estávamos juntos e eles se diziam decepcionados porque não conseguiram o que foram tentar trazer, então, eu contei para eles o ocorrido e fiz a distribuição dos cigarros. Duvidaram de mim, não acreditaram em nada que contei.
todos já estávamos juntos e eles se diziam decepcionados porque não conseguiram o que foram tentar trazer, então, eu contei para eles o ocorrido e fiz a distribuição dos cigarros. Duvidaram de mim, não acreditaram em nada que contei.
Se fumaram os cigarros? Fumaram.
Mauá era pouco conhecida e não existiam muitas pousadas como
existem hoje. Estradinha de barro, a partir da divisão para Penedo.
Terra batida até lá: na vila de Mauá.
Ao chegarmos víamos logo a igrejinha e o campo de futebol, logo ali
a vila. Uma rua com um comércio simples: bar com mesa de sinuca,
alguma loja de roupa e não me lembro o que mais. Um pouco a frente
e estávamos no assim chamado lote 10. Mais casas e mais comércio.
Para um lado, íamos em direção à Pedra Selada e, para o outro,
Vale do Pavão e Maringá.
Andávamos tudo a pé, sem cansaço. Uma carona ou outra... por um
trecho... até ali... mais a frente. E continuávamos a pé.
Felicidade e simplicidade! Rolling Stones, Chico, Milton, íamos
cantando pelas estradinhas: My sweet lady Jane, when I see you
again… Como a música nos remete às vivências que tivemos! A
música traz em si uma divindade cósmica.
He! He! He! De repente, agorinha, me vi caminhando por Mauá e
cantando. É... caminhando e cantando… Em cada esquina um dedilhar
de violão e uma voz ou várias vozes: todo artista tem de ir
aonde o povo está, e foi assim e assim será...
Naqueles dias, tive de aturar meus amigos falarem sobre o assunto
dos cigarros exaustivamente. Os duendes (!!??) não voltaram mais
para comprovar a minha história. E trago comigo aquele lembrança
encantadora e generosa ocorrida naquela noite de lua cheia.