quinta-feira, 8 de abril de 2021

O POVO BRASILEIRO ACEITA TUDO

 


O povo brasileiro aceita tudo. Aceitamos andar de ônibus cheios, ou melhor, lotados, mesmo na pandemia em que o grau de contaminação do vírus é altíssimo. Aceitamos votar em políticos ladrões, fascistas, condenados, negacionistas, traficantes, extremistas, supremacistas. Aceitamos impeachment de gente íntegra. Aceitamos golpes de Estado escancarados, por puro delírio e interesses. Aceitamos assassinatos em plena luz do dia ou em plena escuridão da noite. Aceitamos ser roubados na rua por moleques ou por bandidos graduados, não importa. Aceitamos assassinato premeditado. Aceitamos homicídio de gente honesta na luta contra mafiosos de bermuda, gravata ou de farda, ou todos juntos. Aceitamos não ter comida na mesa, não ter emprego, não ter oportunidades nem de progredir na formação escolar. Aceitamos os índices mais estapafúrdios de morte por uma doença invisível para alguns. Aceitamos a desigualdade social e nos fazemos de vítimas em vez de lutar.

Aceitamos discutir nas redes sociais e, se bobear, agredir ou sermos agredidos. Aceitamos piadas, indiretas, descaso, desonestidade, com o fim de não nos aborrecermos. Aceitamos a dor de famílias carentes. Aceitamos a tristeza de conhecer relatos de sofrimentos, mas nada fazer. Aceitamos humilhações quando somos funcionários de empresários cruéis, egoístas e ambiciosos. Aceitamos mudanças nocivas nos direitos duramente conquistados, por fraqueza de espírito. Aceitamos a construção de um brasil paralelo em que se destroem de modo escuso o bem construído, a duras penas, e todos assistem quietos. Aceitamos boatos, informações falsas e ainda compartilhamos. Aceitamos a falta de consideração. Aceitamos a inveja como rótulo de indignação coletiva.

Aceitamos gritos de fanáticos em uma pantomima patriótica. Aceitamos tudo que fazem e o que desfazem. Aceitamos, de maneira subserviente e enfática, a hegemonia cultural norte-americana. Aceitamos não conhecer a nossa língua oficial por ser difícil e cheia de regras, na opinião de alguns preguiçosos ou desinteressados, como se esse saber não significasse soberania. Aceitamos buracos nas ruas, água poluída, desmatamento, asfaltos podres, enchentes seculares, sorrisos falsos em fotos de famílias pseudofelizes, apertos de mão superficiais no calor das eleições. Aceitamos a milícia, a polícia arbitrária, o autoritarismo, a misoginia, o racismo, a aversão por escolhas pessoais. Aceitamos o orgulho e a empáfia dos que se dizem conservadores, cuja via principal é a manutenção de toda espécie de preconceito.

O brasileiro aceita tudo mesmo. Um povo cordial, pacato. Seremos sempre lembrados assim na história, a não ser que antes sejamos arrebentados pela atual pandemia e tragados, sem despedida, pela terra.

Não havendo despedida penso que nem se lembrarão de nós. Não se lembrarão de um povo que, perdoe a hipérbole bem aplicada, aceitou ser exterminado, pois, dando asas à incoerência, escolheu a mentira que cega. Continuou participando de festas e baladas, porque muito tinha a comemorar.

  A angústia de um pesar      Durante a madrugada me vieram lembranças. Um tanto quanto estranha a minha alma estava que, ...